terça-feira, 31 de dezembro de 2019

CONSELHOS PARA OS QUE DESEJAM UM ANO NOVO (corrigido e ampliado)



"Espere no Senhor. Seja forte! Coragem! Espere no Senhor."
(Salmos 27:14)

Não há como ter um ano novo fazendo as mesmas coisas.
Por mais óbvio que pareça ser, nada muda, se nada muda. Sei que todos desejam um ano novo, e mais, um feliz ano novo! Não apenas novas datas de um calendário, mas, uma nova agenda, novas oportunidades, novas experiências. Porém, sei também que a maioria das pessoas que conheço não terão como mudar muitas coisas em suas vidas.

Continuarão nos mesmos empregos,  morando na mesma casa, cercadas das mesmas pessoas, tendo a mesma rotina. Continuarão com as mesmas preocupações, mesmo corre-corre e, até mesmo, os mesmos estresses.

Para essas pessoas cabe a expressão do autor do Eclesiastes "Não há nada de novo debaixo do sol" (Ecl. 1.9). Talvez, para essas pessoas, desejar ou sonhar com um ano novo pode parecer apenas um jargão sem sentido, ou uma doce ilusão de românticos ingênuos.

Porém, nesse versículo 14 do Salmo 27, o salmista nos convida a pensar, ter esperança e colocar o Senhor no “centro” das nossas vidas.

"Espere no Senhor. Seja forte! Tenha Coragem! ‘E descanse, esperando’ no Senhor."

Comece o ano sabendo disso: Existem muitas coisas que não temos a menor capacidade ou a competência de muda-las. Tem coisas que não sabemos o que fazer para muda-las e nem cabe a nós fazer isso. Pessoas, situações, condições, organizações...

Sobre essas coisas, espere no Senhor. Não adianta se desgastar imprimindo forças ou gastando energia naquilo que você não pode nada fazer. Talvez o desafio seja, até mesmo, aprender a viver com elas, ouvindo do Senhor: “A minha Graça te Basta!”. (2 Co. 12.9)

Sobre isso: Ore, entregue nas mãos do Eterno e descanse.

Mas seja forte também!

Alguém já disse que a vida não dá mole para quem é fraco. O mundo não vai parar para você se recompor, para você enxugar as suas lágrimas, para você entender os caminhos e descaminhos do viver. “Parta pra cima!” Se esforce, permaneça firme. Acorde mais cedo, durma mais tarde, ore bastante.

Numa frase atribuída ao pastor Martim Luther King, somo encorajados: "Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito”.

Não tenha medo de pedir ajuda quando necessário. Estude mais, trabalhe mais, ame mais, sorria mais, compartilhe vida, estabeleça laços verdadeiros de amizade e comunhão. Não fique reclamando, ninguém vai ouvir as suas reclamações (não por muito tempo), vou lhe contar um segredo: ninguém gosta de ficar ouvido reclamações e murmurações em todo o tempo.

Mas também lembre-se de duas coisas importantes:  Você não precisa ser forte o tempo todo e nem passar pelas lutas sozinho. Às vezes, o maior sinal de força é se reconhecer fraco, e pedir ajuda aos amigos e irmãos.

Tenha coragem!

É tolice esperar um ano novo fazendo as mesmas coisas. Tenha coragem para resolver aquele problema que tira a sua paz, para encarar seus medos, para tratar traumas, para sair de um relacionamento abusivo e tóxico. Coragem para começar aquela especialização, para se lançar em novos projetos, para aprender algo novo e fazer novas amizades. Tenha coragem para se dedicar mais ao Senhor da sua vida, lembre-se dos seus dons, talentos, do seu chamado. Pare de dar desculpas, isso é chato e não agrada a Deus.

Tenha coragem para casar, coragem para melhorar seu desempenho, para conhecer novas pessoas, para recomeçar a sua vida, se for o caso. Seja corajosa ou corajoso e comece a cuidar do seu corpo, da sua saúde emocional, da sua alma! Faça exercícios, mude hábitos alimentares que te fazem mal, leia bons livros, comece uma terapia, ouça boas músicas, cultive disciplinas espirituais. Não esqueça, Deus sempre nos dá novas oportunidades. Sempre haverá lugares novos para lançarmos as nossas redes.

Um ano novo só pode ser vivido por quem tem coragem, muita Coragem!

E por fim, depois de ter feito tudo o que cabe a você, consagre ao Senhor o trabalho das suas mãos e espere no Nele. Talvez você vai passar o ano novo com as mesmas pessoas, fazendo as mesmas coisas, vivendo nos mesmos ambientes. Você pode até fazer novamente tudo o que você fez e viveu no ano que passou, mas pode fazer isso de uma forma bem melhor. Com mais vida, mais amor, mais paixão. Com excelência, alegria e leveza.

Viver é um misto dessas coisas. E esse é um caminho para quem, de fato, deseja fazer e viver um Ano Novo.


Pr Lázaro Sodré
- texto publicado originalmente em 2018

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

"O Cântico de Maria" -Um louvor sobre política, economia, opressão e a misericórdia de Deus em pleno Natal

UM NATAL DE MISERICÓRDIA

“Disse então Maria:

A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; Porque atentou na baixeza de sua serva; Pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque me fez grandes coisas o Poderoso; E santo é seu nome.

E a sua misericórdia é de geração em geração sobre os que o temem.
Com o seu braço agiu valorosamente; dissipou os soberbos no pensamento de seus corações. Depôs dos tronos os poderosos, E elevou os humildes.

Encheu de bens os famintos, E despediu vazios os ricos. Auxiliou a Israel seu servo, recordando-se da sua misericórdia; como falou a nossos pais, para com Abraão e a sua posteridade, para sempre.

E Maria ficou com ela quase três meses, e depois voltou para sua casa.”

(Lucas 1:46-56)

O nascimento de Jesus é muito mais do que um evento religioso.

As implicações do Natal do Cristo de Nazaré, atinge, em cheio, questões religiosas, sociais, éticas, políticas e econômicas. Os evangelhos registram que Jesus nasceu em Belém da Judéia, no tempo em que Herodes era o rei de Israel.


Dois sumo-sacerdotes exerciam o poder no templo de Jerusalém, Caifás e seu sogro, Anás. Jesus era filho de Maria, uma jovem prometida a um carpinteiro chamado José, da linhagem de Davi e, apesar de estarem em Belém da Judeia, moravam numa vila pobre de camponeses, na província da Galileia, chamada Nazaré.

Não podemos desconsiderar essas informações sobre Jesus e o contexto do seu nascimento. Todas essas questões são tão importantes que, quando o apóstolo Paulo falou do cumprimento da promessa, na vinda do Messias, ele se refere a um tempo oportuno, ou, na plenitude dos tempos. (Gl.4.4; 2 Co.6.2 citando Is. 49.8). Deus levou em consideração o domínio Romano, toda a turbulência interna e externa a Israel, os anos de opressão e exploração em que a Galileia passou, o preconceito étnico e social que Samaria sofria e toda a corrupção político-religiosa da Judeia. 

Maria estava muito atenta a tudo isso, e de forma profunda e extremamente precisa, ousadamente, apontou, em seu cântico, como o Senhor resiste e reprova toda opressão, violência e corrupção dos homens, e como, num ato de misericórdia, socorre os que acreditam e confiam Nele. 

Vermos isso em cinco partes.

“Então disse Maria: "Minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.” (vs. 46,47)

Apesar de Maria falar na primeira pessoa “...meu salvador”, a fala dela é o eco da voz de todas as mulheres de Israel. Esse é o único discurso longo de uma mulher no Novo Testamento, e um dos maiores em toda a Escritura. Maria apresenta Deus como o Salvador de todos os oprimidos e, em especial aqui, de todas as mulheres. 

Esse cântico encontra precedentes em outros Cânticos do Antigo Testamento, onde se cantam a atuação misericordiosa, graciosa e poderosa de Deus em libertação do seu povo. (Mirian Êx 15; Débora Jz 5; Ana ISm 1). 

Esse cântico de Maria nos desafia a não aceitar pacificamente nenhuma estrutura de opressão. Historicamente as mulheres têm sofrido diversas formas de violência em nossa sociedade: Violência doméstica e obstétrica; assédios nos ambientes de trabalho e nas ruas; discriminadas e preteridas em suas profissões e carreiras acadêmicas. Esses são apenas alguns exemplos das inúmeras situações em que as mulheres são expostas, apenas pelo fato de serem mulheres. Mas o que Maria afirma em seu cântico, é que Deus não aprova nenhuma forma de abuso ou opressão, nem mesmo aquelas disfarçadas de piedade e zelo religioso.   

“pois atentou para a humildade da sua serva. De agora em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada, pois o Poderoso fez grandes coisas em meu favor; santo é o seu nome.” (vs 48, 49).

A palavra baixeza, ou humildade (gr. tapéinosis), é usada muitas vezes no Antigo Testamento Grego (A vulgata Latina), para fazer referência a humilhação social e política que Israel sofria sob a dominação de potências estrangeiras (Dt 26.7; ISm 9.16).

Encontramos algumas semelhanças na atuação de Maria com ícones importantes do Antigo Testamento como Abraão e Moises. Assim como Abraão que, pela fé, deu início a peregrinação do povo de Deus no Antigo Testamento, e por isso foi chamado de “O Pai da Fé”, Maria deu início a caminhada do povo no Novo Testamento com um chamado de fé, é isso que Isabel diz: “Bem-aventurada a que creu, pois hão de cumprir-se as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas.” [Lc 1:45].

Já o título do “grande libertador” do Antigo Testamento, está com Moisés. É lógico que estamos falando aqui de uma libertação político-econômico-social e não há como comparar a atuação de Moisés com a de Jesus. Sendo assim, qualquer atuação no Novo Testamento é ofuscada pela glória única do Filho de Deus. Porém, se compreendermos que Moisés foi apenas um instrumento de atuação do Poder Divino, e que o grande Libertador mesmo é o próprio Deus, podemos assemelhar a sua atuação a Maria que compreendeu isso dizendo: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra.” [Lc 1:38]

Portanto, assim como há espaço na tradição Judaico-Cristã para Abraão e Moisés, deve haver de igual modo para Maria, como serva importante da atuação de Deus na história da redenção, tanto pela sua fé, quanto pela sua obediência.

“A sua misericórdia estende-se aos que o temem, de geração em geração. Ele realizou poderosos feitos com seu braço; dispersou os que são soberbos no mais íntimo do coração.” (vs 50,51)

Essa expressão: “...agiu com o seu braço agiu valorosamente”, é usada no Antigo Testamento para indicar o agir de Deus a favor do seu povo, especialmente em relação ao êxodo, e mais uma vez, Maria se aproxima de Moisés quando Deus a usa como um instrumento precioso nesse processo de libertação do seu povo.

“Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos.” (vs. 52,53)

Havia, na tradição do judaísmo popular do tempo de Jesus, uma oração onde um judeu agradecia a Deus todos os dias por não ter nascido mulher, não ter nascido cachorro e não ter nascido samaritano. Acredito que a partir daqui ficaria difícil tal comparação.

O Deus poderosos age em favor dos humilhados e oprimidos, contra as forças socio religiosas e político-econômicas que se opõe ao seu projeto, subvertendo a estrutura da sociedade que perpetua tais distinções. O Evangelho do Reino é a Boa Nova de salvação que desfaz qualquer mecanismo opressor. Seja étnico, social ou de gênero, em Jesus Deus faz uma nova humanidade:

“Todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus, pois os que em Cristo foram batizados, de Cristo se revestiram. Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus. E, se vocês são de Cristo, são descendência de Abraão e herdeiros segundo a promessa.” (Gl.3.26-29).

Auxiliou a Israel seu servo, recordando-se da sua misericórdia; Como falou a nossos pais, para com Abraão e a sua posteridade, para sempre.” (vs. 54,55)

O Magnificat, ou o Cântico de Maria, é esse grande cântico libertador de marca o início do Reino de Deus. É um documento revolucionário e intenso, produzido por uma mulher que proclama as virtudes e os valores de misericórdia, paz, justiça, humanidade, compaixão e igualdade da espécie humana (Adão, no AT). 

Aqui está um cântico de louvor ao Deus misericordioso e libertador das mulheres e dos oprimidos, explorados, cujos direitos foram e são diariamente violados. Esse cântico de Maria nos apresenta a dinâmica do Reino de Deus, inaugurado em Jesus de Nazaré, onde a economia é transformada (os poderosos são depostos e os humilhados são elevados), a violência é superada e o alimento é fornecido aos famintos. 

A espiritualidade do Natal de Jesus está na santidade, na misericórdia e na solidariedade para com os que sofrem. Nos corações em que Jesus nasce, Ele faz brotar essas coisas.


terça-feira, 24 de dezembro de 2019

FELIZ NATAL



“Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor.”

(Lucas 2:11)

Anjos se ocuparam de anunciar o nascimento de Jesus a alguns pastores no campo. Foi em Belém, uma das aldeias de Judá, sul de Israel. O local não foi o mais adequado, o período também não. Seus pais estavam em plena viagem para o recenseamento exigido pelo imperador. De improviso, numa manjedoura, único local disponível. Nenhuma hospedaria disponibilizaria um leito para uma mulher grávida, nos dias de ter a criança. Pela Lei de Moisés, o local do parto ficaria impuro por uma semana, e como a cidade estava cheia, seria um enorme prejuízo ao dono.

Mesmo naquele local, guardado pelos seus pais, observado pelos animais, envolto em panos, recebeu a visita de magos, guiados pela estrela, vindos do Oriente. Não se sabe quantos, o que sabemos é que eles o presenteou com ouro, incenso e mirra. Ali estava uma criança. Para alguns, outra como muitas. Mas para os que conheciam a promessa, era o prometido, o Cristo de Deus, o Salvador do mundo.

É por conhecer a promessa que nós, discípulos de Jesus, nos alegramos tanto com o Natal. Olhamos para aquela manjedoura e percebemos ali, de carne e osso, no seio da sua mãe, o favor do Deus Eterno. Jesus, o filho de Deus, é a materialização do amor. A Trindade Santa encarna para fazer cumprir o projeto de levar toda a raça humana de volta ao Pai, nos livrando da morte, do pecado, da desumanização.

Por isso não é exagero nenhum celebrarmos o Natal com tanta ênfase. Luzes, árvores, canções, trocas de presentes, família reunida, ceia. Tudo isso são sinais que apontam para o menino Deus, filho de Maria e José. Os cristãos ao longo dos séculos fazem questão de celebrar tudo isso.

Porém, para não perder o sentido, para não deixar que a festa de aniversário seja mais importante do que o aniversariante, é interessante, pelo menos por um momento, voltarmos à simplicidade do evento inicial. Mesmo sendo Deus e podendo nascer da mulher mais poderosa do mundo, escolheu a humilde Maria. Mesmo podendo proporcionar a maior recepção que o mundo já viu, digna dos reis, foi numa desconfortável viagem, numa simples aldeia, nos fundos da casa de um aldeão. Mesmo podendo ser anunciado em todas as nações do mundo, para ser recebido pelas figuras mais ilustres não só de Israel, mas de Roma e do Egito, as nações mais importantes da época, Ele foi recebido por simples pastores, magos e camponeses.

O Senhor dos céus e da terra fez isso, provavelmente, para nos ensinar que Ele não precisa do trono dos reinos, honrarias formais ou ostentações materiais. O Mestre não veio construir e nem tomar posse de Impérios humanos, Ele veio reinar em corações. Por isso, a forma mais adequada de se celebrar o Natal é fazendo dos nossos corações uma manjedoura.

Se o Cristo não nascer em cada um de nós, perde-se completamente o sentido da festa. Jesus nasceu para nos dá vida, a vida de Deus. Ele é a porta de acesso a comunhão. Comunhão com Deus, nos livrando da religiosidade e paganismo. Comunhão com o nosso próximo, nos livrando do egoísmo e individualismo. Se junto com as luzes, árvores, trocas de presentes, ceias e canções, Jesus não nascer em nós, tudo isso não passará de uma festa, simples festa do consumismo, da glutonaria, da ostentação e da hipocrisia. Os discípulos de Jesus não esquecem da festa e muito menos do festejado, do aniversariante, do Salvador, que é Cristo, o Senhor.

Um Feliz Natal.


Pr Lazado

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

A GRAÇA NOS VISITOU NO NATAL



 “E, naqueles dias, levantando-se Maria, foi apressada às montanhas, a uma cidade de Judá, E entrou em casa de Zacarias, e saudou a Isabel. E aconteceu que, ao ouvir Isabel a saudação de Maria, a criancinha saltou no seu ventre; e Isabel foi cheia do Espírito Santo. E exclamou com grande voz, e disse:

Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre. E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor? Pois eis que, ao chegar aos meus ouvidos a voz da tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada a que creu, pois hão de cumprir-se as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas.”

(Lucas 1:39-45‬‬)‬‬

O evento mais extraordinário da história, sem dúvidas, foi o nascimento de Jesus de Nazaré. A promessa do Cristo, aguardado por Israel, foi cumprida em Belém da Judeia, numa manjedoura, a partir do ventre de uma jovem chamada Maria. 

O mais surpreendente é que ali, não apenas o Messias prometido veio ao mundo, mas numa revelação recebida por Pedro aprendemos o grande mistério sobre a identidade de Jesus: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.”, disse Pedro. (Mt. 16.16). 


Jesus de Nazaré não é apenas o Messias, o Ungido, o Cristo e sim, o Filho do Deus vivo. Esse é o grande mistério do Natal. O fruto do ventre de Maria é o Senhor soberano de toda a terra, uma das pessoas da Trindade Santa que encarna como homem, a partir do ventre de uma mulher.

Por isso, em meio ao mistério e a beleza da encarnação, expressões de louvor a Deus são registradas nos eventos da Anunciação. Lucas registra quatro cânticos com expressões de louvor e adoração ao Eterno, diante do cumprimento da maravilhosa promessa do Natal.

O primeiro é esse transcrito acima, o cântico da beatitude de Izabel, seguido do Magnificat de Maria (1.47), depois o cântico de Zacarias, o benedictus (1.68) e por fim um coral de Anjos cantam o In excelsis Deo (2.14). As canções sempre estiveram presentes nos cultos de louvor a Deus.

Diante dos grandes feitos do Senhor, homens e mulheres ao longo dos séculos quebrantam seus corações diante da graça abundante do Senhor.  Os cristãos também passaram a celebrar o nascimento do Senhor cantando a glória de Deus.

Analisando essa cena da visita de Maria a Izabel, podemos perceber a ação graciosa de Deus em detalhes importantes. Primeiro, o inicio do cumprimento de uma profecia. Note que ao ouvir a voz de Maria, tanto Izabel quanto a criança em seu ventre percebem a presença de Deus, e são tomados pelo Espírito Santo. 

Aqui somos remetidos a duas passagens do Antigo Testamento: A primeira, ao oráculo do profeta Joel que, falando dos dias do Messias, nos disse que Deus derramaria do Seu Espírito sobre toda a carne (Jl. 2.28) e também a expressão do Rei Davi diante da Arca da Aliança: “Como virá a mim a arca do Senhor?”  (2 Sm. 6.9). 

Perceba quanta semelhança entre a expressão de Davi e a de Izabel. Ela, tomada pelo Espírito Santo diz: "E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?" A presença de Jesus, mesmo no ventre de Maria, manifesta a graça do Deus Emanuel.

Mas além disso, três outras expressões do Cântico de Izabel nos ensinam como a graça de Deus se tornou acessível no Natal:

Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre.

Maria se tornou a bendita mãe do filho de Deus, por se submeter à Sua vontade. O Senhor, pela Sua Graça, fez de Maria uma mulher bendita, ou, como ela mesma disse, uma bem-aventurada. Não por ela, não por seus méritos, mas porque ela confiou nos cuidados dAquele que detêm todo o poder. 

Quando recebeu o anúncio do Anjo, mesmo sem entender, com medo e assustada, Maria deu a única resposta possível para os que confiam no Senhor: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra.” (Lc. 1.38). Os benditos são, sempre, os que continuam crendo.

“E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?”

Jesus é o Senhor! Essa compreensão foi obtida pelos discípulos depois da ressurreição de Jesus. O título de Senhor foi dado a Jesus depois de ter vencido a morte. Entretanto, Izabel compreendeu isso mesmo antes de Jesus nascer.

Reconhecer que Ele é o Senhor, é compreender que Ele detém todas as coisas, inclusive as nossas vidas. Depois de ressurreto, em suas últimas palavras aos seus discípulos, Jesus afirma: “Toda autoridade me foi dada nos céus e na terra”. (Mt. 28.18).

Jesus é a manifestação do poder Gracioso de Deus que, mesmo sendo o Senhor de todo o universo, que mantém e sustenta todas as coisas, Ele se importa com cada um de nós e nos visita. 

"Pois eis que, ao chegar aos meus ouvidos a voz da tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre."

Os corações que recebem a Jesus se enchem de alegria. A alegria passa a ser uma companheira dos que creem. Os que têm essa alegria não são ingênuos para imaginar que não passarão por dificuldades ou não serão desafiados com as lutas da vida, mas confiam na presença daquele que é maior do que qualquer circunstância que a vida possa apresentar.

 É isso que significa ser “Bem-Aventurado”. Os Bem-Aventurados podem até chorar, mas serão consolados. 

   Muito mais do que uma festa, muito além do que um calendário litúrgico, muito mais profundo do que cerimonias, trocas de presentes e decorações, o Natal é a visitação do Deus cheio de Graça que se faz presente em Jesus de Nazaré. Perceber a presença de Jesus é ter acesso a maravilhosa Graça do Deus Eterno e bondoso, salvador de todos os que creem.


Pr Lázaro Sodré

Pastor da Igreja Batista Alvorada, em Aracaju-Se.

 (Essa pastoral faz parte dos textos
 compartilhados dominicalmente 
na comunidade, por meio do 
boletim impresso).

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

TODOS NÓS PRECISAMOS DE ENCORAJADORES

“José, um levita de Chipre a quem os apóstolos deram o nome de Barnabé, que significa encorajador...”
(Atos 4:36)

As vezes viver cansa. Existem inúmeros momentos em que a vida nos vence pelo cansaço. Perdemos a alegria, a espontaneidade, a vontade de viver.

Deixamos de ver caminhos possíveis e não conseguimos reagir aos reveses da vida. É aí que o desânimo nos alcança. Isso acontece com todo mundo em algum momento da nossa peregrinação por aqui. São problemas familiares, desajustes financeiros, decepções com as pessoas, frustrações acadêmicas ou profissionais, planos e projetos que não deram certos. A lista é infindável de coisas que trabalham para nos jogar no chão. E, não poucas vezes, todas essas situações afetam a nossa fé. Não é que deixamos de acreditar em Deus como criador e mantenedor de todas as coisas, ou em Jesus como único e suficiente salvador.

Não estou falando de ateísmo ou de apostasia, mas daquilo que Davi chamou de “alegria da salvação” (Sl. 51.12) e o São João da Cruz de “A Noite Escura da Alma”.

Nesses momentos Deus parece estar longe e alheio às nossas lutas. Uma sensação de solidão invade a alma e, mesmo cercado de pessoas, nos sentimos sós. São nessas horas que precisamos dos “Barnabés”.

Barnabé era como os apóstolos chamavam a José, um levita, nascido numa ilha do mar Mediterrâneo chamada Chipre, que era discípulo der Jesus de Nazaré. A palavra grega usada pelos Apóstolos para se referirem a ele foi paráklesis, ou paráclito, a mesma palavra usada em Jo. 14.26, falando sobre o Espírito Santo.

José tinha a capacidade de consolar, exortar e encorajar as pessoas. Uma das cenas narradas nas Escrituras onde José agiu dessa forma foi em Atos 11, quando o Evangelho chegou em Antioquia. Lá, numa Igreja nascente, constituída em sua maioria por gentios, Barnabé foi enviado pelos Apostolo para dar apoio e o texto Bíblico traz o seguinte relato: “Este (barnabé), ali chegando e vendo a graça de Deus, ficou alegre e os animou a permanecerem fiéis ao Senhor, de todo o coração. Ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé; e muitas pessoas foram acrescentadas ao Senhor.” (At 11:23,24).

Possivelmente essa nova Igreja tinha muitas coisas que não estavam como deveriam estar. Talvez o ambiente em que esses irmãos estavam iniciando a sua fé era hostil e difícil para a caminhada, provavelmente a doutrina que era ensinada nessa Comunidade tinha muitas falhas, mas José preferiu ver as coisas positivas. Um encorajador tem essa característica: Ao invés de destacar as falhas, os pontos negativos, os erros, ele prefere valorizar as coisas positivas.

As palavras de um encorajador geram vida, aponta caminhos, conforta, aconselha. Exortar é ser um instrumento para que o outro permaneça de pé. A vida para muitos de nós é uma dura batalha diária, e, por isso, precisamos fortalecer e acolher uns aos outros. O que menos precisamos é de julgamentos e comentários que geram morte. É importante saber policiar a nossa língua, se não podemos abençoar, que não amaldiçoemos, é o conselho que Tiago nos dá (Tg.3). Um encorajador é empático e solidário. São pessoas que conseguem perceber a angustia do outro pelo olhar, pelo tom da voz, pelo cansaço do corpo.

Um dos sinais de que temos comunhão com Deus é quando somos sensíveis às pessoas ao nosso redor e nos dedicamos a fortalece-los. Na comunidade de Jesus os irmãos levam os fardos pesados uns dos outros (Gl 6.2), ninguém fica pelo caminho, se não for para chegarmos lá juntos, também não queremos chegar sozinhos. Como discípulos de Jesus sabemos que vamos enfrentar as batalhas da vida, mas também com a certeza de que não as enfrentaremos sozinhos. Temos ao Senhor, e temos uns aos outros.

Caminhando lado a lado, ora sendo os necessitados do cuidado, ora cuidando. E nesse caminhar de constante aprendizado, em duras lidas, que desejemos aprender, sobretudo, a sermos BARNABÉS, que consolam, que iluminam os caminhos, que ajudam a ter nova esperança, que levam a Paz.


Lázaro Sodré
(Pastor da Igreja Batista Alvorada, Aju - SE) 
Esse texto faz parte das pastorais dominicais.


segunda-feira, 14 de outubro de 2019


JESUS, O CRISTO VINDO DE NAZARÉ
(Série: Eu Sou Jesus, o Cristo)

“Disse-lhe Natanael: Pode vir alguma coisa boa de Nazaré”
 (João 1:46)

Sobre Jesus Cristo algumas afirmações são inevitáveis, e, uma delas, é que ele sempre deixava claro os seus posicionamentos. O mestre nunca ficava em cima do muro, nunca deu margem para confundirem os seus posicionamentos. Nenhum Fariseu ou um de seus discípulos ficaram em dúvida sobre as escolhas e opções. Ele sempre se fez devidamente entendido. Os lugares que ele frequentava, as pessoas que se assentavam à sua mesa, os seus ensinamentos e protestos, tudo isso lhe conferiu rótulos, por exemplo: Amigo de publicanos e pecadores” (Mt. 9.11).  As confusões que os mestres da Lei e autoridades faziam, não era porque não entendiam o que Jesus falava, mas, sim, por que não concordavam. A questão era: “Com que autoridade fazes essas coisas? (Mt. 21.23) ou, desmerecendo diziam: “Não é este o filho do carpinteiro?” (Mt. 13.55).

Sim, Jesus era filho de trabalhador braçal, um carpinteiro iletrado e de Maria, uma mulher do campo, sem “linhagem real”. Ele veio da região menos favorecida de Israel, a Galileia. Nasceu em Belém, mas fez morada em Nazaré. Nem podemos chamar Nazaré de cidade, nem mesmo segundo os padrões do tempo de Jesus. Ali, no máximo, uma vila de camponeses, em sua maioria analfabetos. Não figurava nas grandes rotas econômicas e nem religiosas de Israel, e tão pouco de Roma, a capital do Império. Irrelevante, insignificante, desconhecida. Não é por menos o espanto de Natanael: “Pode vir coisa boa de Nazaré?”

Entretanto, Jesus permite ser reconhecido como “Nazareno”.

Os Judeus do tempo de Jesus eram extremamente preconceituosos. Misoginia e Xenofobia eram comuns entre aqueles homens. No Sidur, o livro das preces matinais dos judeus, havia uma oração que dizia: “"Oh, Senhor muito obrigado por não ter nascido cão (ou gentio), escravo e nem mulher".  Um não judeu, uma mulher e uma pessoa escravizada eram colocados no mesmo nível de um cachorro. A ideia de que os diferentes eram dignos de desprezo foi construída em Israel pelo legalismo religioso e pelo nacionalismo fanático. Apesar de Nazaré ser dentro do território de Israel, a sua inexpressão na tradição Judaica fazia dos seus moradores um tipo de gente desprezada.

Por isso que quando Jesus de Nazaré é apresentado como o Cristo, imediatamente causou um enorme estranhamento e rejeição. O Cristo não poderia vir de Nazaré, não poderia falar as coisas que Jesus falava, não poderia fazer o que ele fazia. Jesus se posicionou de modo diametralmente oposto à tradição que inferiorizava, oprimia ou rejeitava as pessoas, seja lá quem fosse. O Cristo de Deus rompe com a tradição dos rabinos e dos mestres da Lei por entender que “... o ‘sábado’ foi feito para o homem e não o homem para o ‘sábado’”. (Mc. 2.27) e que a Graça de Deus não era privilégio dos Judeus e muito mesmo limitada ao domínio dos “donos da religião”, às suas teologias, dogmas e preceitos.

Perceber o local que Jesus está, os adjetivos que lançam sobre ele e as pessoas com as quais ele entra em embate, nos ajuda a entender o processo de libertação que o Cristo de Deus produz em nossos corações.

- O CRISTO DE NAZARÉ NOS LIBERTA DO PRECONCEITO – Os preconceituosos e os discípulos de Jesus necessariamente estarão em lugares opostos. Não há o menor espaço em Jesus de Nazaré onde qualquer espécie de preconceito seja possível. Seguir ao Rabino Nazareno é saber que sempre Ele acolherá a todos os que foram marginalizados pelas estruturas de poder econômico ou religioso. Jesus “vulgariza” o Deus de Israel ao tira-lo dos templos e leva-lo às ruas, favelas e praças.

Os mais impressionantes encontros que Jesus teve não foi nos templos e sim nas ruas, entres os menos favorecidos, em conversas com os camponeses, trabalhadores operários e doentes. Isso não quer dizer que Jesus não aceita aos que tem posses, muito pelo contrário. A palavra “rejeição” não é encontrada nele. O que Jesus faz é quebrar o monopólio da religião seletiva de Israel, afirmando que o seu Deus e Pai não faz acepção de pessoas.

- O CRISTO DE NAZARÉ LIBERTA O ETNOCENTRISMO – foi o Desmond Tutu quem disse: “Deus não é Cristão”. Sim, nem judeu, nem grego e nem romano. Deus está para além de qualquer etnia, religião ou construto humano. Por mais obvia que pareça ser essa afirmação, ela é libertadora. Jesus ensina isso para uma mulher que encontra no poço (Jo. 4). O profeta Joel anuncia um dos oráculos mais impactantes do Antigo Testamento (2.28-32):

“... derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões. E também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito. E mostrarei prodígios no céu, e na terra, sangue e fogo, e colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor. E há de ser que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo; porque no monte Sião e em Jerusalém haverá livramento, assim como disse o Senhor, e entre os sobreviventes, aqueles que o Senhor chamar.”

                Em Jesus, os filhos e as filhas, os velhos e os jovens e até os servos e as servas receberão do Espírito do Senhor. A Salvação alcançara Jerusalém, a cidade do Império e do Tempo, mas também a Galileia e a Samaria e a todos os que o Senhor chamar.

                - O CRISTO DE NAZARÉ LIBERTA DA RELIGIOSIDADE E NOS CONVIDA À ESPIRTUALIDADE - Jesus aproxima o Deus Eterno das pessoas. Não mais é necessário o tributo, as indulgências, os custos das cerimônias, os ritos de purificação. “Destruam o templo” (Jo. 2.19) e todas as suas estruturas, ordenou Jesus. Deus não mora nele. O Deus Eterno habita em corações, seja lá qual for, que deseja recebe-lo com sinceridade. A espiritualidade dos que se encontram com Jesus nasce nos corações que foram libertos. O Deus e Pai de Jesus não habita nos templos dos preconceitos, discriminações ou segregação, e sim nos corações do acolhimento, da graça e da fraternidade.





Lázaro Sodré
(Pastor da Igreja Batista Alvorada, Aju - SE) 


Esse texto faz parte de uma série de pastorais dominicais, baseadas no 
Evangelho de João, intituladas "Eu sou Jesus, o Cristo" - Texto n° 4
JESUS, O CRISTO QUE SUPRE AS NOSSAS NECESSIDADES
(Série: Eu Sou Jesus, o Cristo)

“Jesus respondeu, e disse-lhe: Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna".

 (João 4.13-14)

              Foi Jacques Lacan, um psicanalista francês, quem disse que somos seres desejantes destinados a incompletude e é isso que nos faz caminhar”. Caminhamos porque sentimos necessidades, temos faltas, somos incompletos. Mas não somente isso, caminhamos porque somos seres de desejos. Por desejar, nos movimentamos. Nos movemos na direção do que precisamos, daquilo que nos desperta desejos. Para explicar isso melhor, o psicólogo americano Abraham Maslow desenvolveu a “pirâmide das necessidades”, ou, como ficou mais conhecida, “pirâmide de Maslow”.

            Ali as necessidades humanas foram organizadas em 5 níveis, de acordo com as suas prioridades. Maslow dizia que no primeiro estágio, na base da pirâmide, estão as necessidades fisiológicas, como comer, beber, dormir. Já no segundo estão as necessidades de segurança, que são: segurança da violência, liberdade, ausência de ambientes poluídos e de conflitos. Depois, no terceiro estágio, estão as necessidades sociais: Nossos relacionamentos com família, amigos, com a nossa comunidade. Em seguida, agora no quarto estágio são as necessidades de estima: Aprovação das pessoas que gostamos, reconhecimento da comunidade que frequentamos, senso de pertencimento. E por fim, no quinto estágio está a auto realização. Aqui estão as mais sofisticadas, como: Educação, lazer, crescimento pessoal e transcendência. 

        Maslow apresenta essa pirâmide para nos mostrar que, em se tratando de necessidades, como se organizam as nossas prioridades, e como funcionam nossas motivações. Somos esses seres em eterna busca. A mediada que vamos avançando, os nossos desejos vão nos impulsionando a desejar mais, dai, Maslow conclui: Somos insaciáveis.

COMENTANDO O TEXTO:

Nesse encontro de Jesus com essa mulher, podemos perceber que estamos diante de um ser em busca. O autor, mais uma vez, como é característico deste Evangelho, não economiza em detalhes. Começa com a motivação da viagem de Jesus. O Mestre sai da Judeia, no sul de Israel, e parte em direção a Galileia. Entre uma província e outra, está Samaria. Para facilitar a viagem, diferente do que os Fariseus faziam, Jesus passa propositadamente pela Samaria. Por causa de divergências étnicas, Judeus e Samaritanos se evitavam. Jesus para num poço, e isso se dá por volta do meio dia, um horário pouco provável para alguém carregar água. Mas, mesmo assim uma mulher vem, e vem sozinha. Jesus inicia uma conversa com essa mulher. Homens não falavam com mulher em locais públicos, muito menos um Rabi.

Só esses detalhes são suficientes para mostrar a disposição de Jesus. O Senhor transpõe todas as barreiras postas pela sociedade, e vai em direção à mulher, como vem em nossa direção, nós que somos seres de necessidades, de buscas, de desejos. O que o Mestre busca mesmo é saciar um coração sedento. Podemos utilizar a proposta da Pirâmide de Maslow para perceber, nas declarações desta mulher, necessidades que também temos.  1 - Tenho sede (v.7) (fisiológicas), 2 - Sou Samaritana (v. 9) (Segurança), 3 - Não tenho marido (v. 17) (Sociais), 4 – Tenho dúvidas sobre a minha tradição (v. 20) (Auto Estima) e 5 – Quero transcendência (v. 25) (Auto Realização).

          Não podemos negligenciar as nossas necessidades. Assim como precisamos de pão, de segurança, das pessoas, também precisamos de uma experiência de que nos leve além dessa realidade. A vida é muito mais do que a busca desenfreada em saciar as “nossas sedes”, seja lá quais forem. O Mestre ensina que quem vive apenas para satisfazer todos os seus desejos, por mais legítimos que sejam, se torna escravo da ansiedade.
“Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes? "... (e conclui) buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta ao dia o seu próprio mal." (Mt. 6.33-34).

Numa frase atribuída ao grande escritor russo, Fiodor Dostoiévski, está dito:

“Existe no homem um vazio do tamanho de Deus.”

       É exatamente isso! Nada que conseguimos possuir é capaz de saciar a fome que temos de transcendência. O que está por detrás de todas as nossas buscas é essa “sede” que temos de Deus, por isso que sofremos constantemente a tentação de transformar as nossas necessidades em ídolos e as nossas buscas em culto. Na pirâmide de Maslow, a busca de Deus está no topo da pirâmide, somente depois de saciar todas as nossas buscas, é que partimos em busca do sagrado. Mas Jesus nos ensina que devemos colocar Deus como fonte primaria de saciedade de todas as nossas buscas. Perceba nas respostas de Jesus lições preciosas:

- "Quem beber desta água terá sede outra vez, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Pelo contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água a jorrar para a vida eterna" (vs.13- 14).

A gente não quer só comida... é isso que Jesus está pontuando. Comer, beber é importante, mas precisamos de mais. É Deus quem sacia os nossos desejos. Não permita que nada ocupe o lugar de Deus em sua vida, por mais necessário que essa lhe seja. A gula nasce quando fazemos da experiência de comer e beber idolátrica, o alimento passa a ser um ídolo.

- E depois, o  Mestre diz a ela: "Creia em mim, mulher: está próxima a hora em que vocês não adorarão o Pai nem neste monte, nem em Jerusalém. Vocês, samaritanos, adoram o que não conhecem; nós adoramos o que conhecemos, pois, a salvação vem dos judeus. No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade". (vs. 21-24).

Aqui o mestre novamente toca em nossas tradições. Encontrar-se com Jesus é ser convidado a sair da zona de conforto. Todos nós temos a necessidade de pertencimento. Pertencemos as nossas famílias, ao nosso grupo étnico, as nossas tradições religiosas. Jesus nos convida a colocar tudo isso em segundo plano. Deus produz em nossos corações a segurança que nenhuma das nossas tradições são capazes de nos dá.

- E no final, revela: “Eu sou o Messias! Eu, que estou falando com você".” (V. 26).

Jesus termina nos mostrando o quanto Ele está perto. Mais perto do que a água que mata a nossa sede, mais próximo do que a família que nos dá segurança. Mais disponíveis do que os nossos círculos de relacionamentos, mas real do que qualquer uma das nossas tradições, Ele nos leva a mais real e pura experiência de transcendência. Ele é o Cristo do Deus que sacia a nossa sede, que preenche o nosso coração incompleto, Ele é Jesus, o Cristo que supre as nossas necessidades.                                                               
                                                                                                                        



Lázaro Sodré
(Pastor da Igreja Batista Alvorada, Aju - SE) 


Esse texto faz parte de uma série de pastorais dominicais, baseadas no 
Evangelho de João, intituladas "Eu sou Jesus, o Cristo" - Texto n° 7 

segunda-feira, 23 de setembro de 2019


“POR QUE ESTÁS TÃO TRISTE, Ó MINH’ALMA?”
UM LAMENTO (SALMO 42.43)
(Uma Pastoral sobre o setembro Amarelo)

“Existem dias que parecem noites”.

Em alguns momentos das nossas vidas, somos surpreendidos com tristezas que vêm e ficam. As noites parecem mais longas, os dias mais cinzentos, a alegria parece um insulto. Não há motivos suficientes que justifiquem viver. É justamente nesses momentos que se instala a depressão. A depressão não é simplesmente uma tristeza. Talvez por causa do culto contemporâneo à felicidade, em que o tempo todo e a todo custo todos devem estar felizes, muitos confundem um momento de tristeza com essa terrível doença.

Ficar triste faz parte da vida, assim como ficar alegre. Na vida existem momentos de alegrias e de tristeza, de choro, de chateações. Mas esses momentos pontuais, isolados, ou com uma causa bem definida, como a perda de um ente querido, o término de um relacionamento, uma frustração acadêmica ou profissional, não podem ser confundidos com depressão. Essas coisas podem ser um “gatilho” que desencadeia a depressão, mas não necessariamente.

A Org. Mundial da Saúde (OMS) afirma que a partir de 2020, dentre todas as doenças, a depressão será a maior causa de absenteísmo no mundo. Pessoas fora dos seus ambientes naturais de trabalho, família, estudo e lazer por causa da depressão. A depressão, assim como qualquer doença grave, precisa de diagnóstico especializado e tratamento correto. Não é qualquer pessoa que tem autoridade e condições para dizer que alguém está ou não mais está em depressão. E o tratamento demanda tempo, paciência e responsabilidade.

Três coisas que a depressão não é:  
1. Não é drama. 
2. Não é para chamar atenção. 
3. Não é falta de Deus.

Três coisas que uma pessoa com depressão precisa:  
1. Diagnóstico Especializado. 
2. Apoio e Acolhimento. 
3. Tratamento Adequado.

Há quem diga que esse lamento descrito nos Salmos 42 e 43 seja de um levita da casa de Coré. Provavelmente exilado, no norte de Israel, impossibilitado de fazer as peregrinações comuns aos Judeus, ao menos, três vezes ao ano. Não temos como saber as razões pelas quais ele se encontra nessa situação, mas podemos perceber alguns sinais de depressão nesse homem de Deus. Esse lamento pode ser dividido em três partes.

I PARTE: 42.1-5:
- 42.1-2 -  “Como a corça anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo. Quando poderei entrar para apresentar-me a Deus?” -  Sentimentos de desesperança e luto.

- 42.3 – “Minhas lágrimas têm sido o meu alimento de dia e de noite, pois me perguntam o tempo todo: "Onde está o seu Deus? "  - Sinais de alteração no sono, desamparo.
- 42.4 – “ Quando me lembro destas coisas choro angustiado. Pois eu costumava ir com a multidão, conduzindo a procissão à casa de Deus, com cantos de alegria e de ação de graças entre a multidão que festejava.” - Tristeza profunda e um “vazio” persistente, sentimentos de inutilidade.                                                                                                

II – PARTE: 42.6-11:
- 42.7 – “Abismo chama abismo ao rugir das tuas cachoeiras; todas as tuas ondas e vagalhões se abateram sobre mim.” ¬- Falta de energia, apatia e cansaço.
- 42.9 – “Direi a Deus, minha Rocha: "Por que te esqueceste de mim? Por que devo sair vagueando e pranteando, oprimido pelo inimigo? " - Sentir-se inquieto, dificuldade de concentração.
- 42.10 – “Até os meus ossos sofrem agonia mortal quando os meus adversários zombam de mim, perguntando-me o tempo todo: "Onde está o seu Deus? " - Mal estar e dores físicas sem causa aparente.

III – PARTE: 43.1-5:
43.1.2 – “Faze-me justiça, ó Deus, e defende a minha causa contra um povo infiel; livra-me dos homens traidores e perversos. Pois tu, ó Deus, és a minha fortaleza. Por que me rejeitaste? Por que devo sair vagueando e pranteando, oprimido pelo inimigo?” – Desamparo, solidão e vulnerabilidade.

Assim como Elias (I Rs 19), Jonas (Jn 4) ou mesmo Paulo (2 Co.1.8-9), todos nós somos vulneráveis à depressão. A nossa fé e dependência de Deus, sem dúvidas, pode nos ajudar a enfrentar os males causados por ela. Passar por uma situação como essa, de modo algum, tem a ver com “falta de Deus”, como dito acima. O que o Apostolo Paulo e o Profeta Elias passaram, por exemplo, foi, justamente, pela sua fé e testemunho de que eram homens de Deus.

MAS, COMO AS ESCRITURAS NOS AJUDAM A ENFRENTAR UMA DEPRESSÃO? 

1. DEUS NOS ENSINA QUE PRECISAMOS DE PESSOAS – Deus nos fez seres sociáveis. Não fomos feitos para vivermos sozinhos, isolados. No relato da criação, no livro do Gênesis, a primeira vez que expressão “não é bom” aparece é quando Deus percebe Adão sozinho. (Gn. 2.18). Familiares, amigos, colegas e, no caso de uma pessoa doente, como alguém com depressão, profissionais que o ajude a tratar a doença. Deus nos abençoou com pessoas que nos auxiliam e correspondem.

2. DEUS DÁ SENTIDO À NOSSA VIDA - É evidente que vivemos em um mundo adoecedor. Opressões, cobranças, perversidades, os sinais do pecado no mundo são variados e abundantes, e viver num mundo assim faz mal, muito mal. Ao mesmo tempo, somos empurrados para o consumismo desenfreado, pressionados a construir uma carreira profissional relevante, enquanto vivemos aprovados com a violência dos grandes centros urbanos. Nos falta tempo de qualidade para aprofundar relacionamentos e desfrutar de momentos de prazer. Contudo, Jesus nos ensina algo primoroso em Mateus 6:25-34:

"Portanto eu lhes digo: não se preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que comer ou beber; nem com seus próprios corpos, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante do que a comida, e o corpo mais importante do que a roupa? (...) Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas. Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu próprio mal".

O Evangelho de Jesus é um convite a um estilo de vida que previne a depressão. Viver com Jesus é compreender duas coisas fundamentais: A primeira é que Deus nos fez para a comunhão, como Ele mesmo e com o nosso próximo. Isso nos garante que as lutas e aflições da vida não serão enfrentadas em solidão. Ele virá em nosso auxilio e também nos enviará pessoas para cuidarem de nós. A segunda é também compreender que não precisamos sacrificar o nosso tempo acumulando “tesouros aqui na terra”, que não somos um diploma numa parede, que uma prova não atesta a nossa capacidade, que um status social não avalia a nossa importância. A vida de um seguidor do Jesus de Nazaré é valiosa porque ele entende que é obra e alvo do poderoso amor do Deus Senhor da vida, da alegria e do viver. E quem assim vive, sempre terá esperança, como lembrou o salmista: “Ponha a sua esperança em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador e o meu Deus.” (42.5.11- 43.5).                                                 


Lázaro Sodré
(Pastor da Igreja Batista Alvorada, Aju - SE) 


Esse texto faz parte das pastorais dominicais, na ocasião do setembro amarelo, 2019

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

UNIDADE NA DIVERSIDADE

"Partos, medos e elamitas; habitantes da Mesopotâmia, Judéia e Capadócia, Ponto e da província da Ásia, Frígia e Panfília, Egito e das partes da Líbia próximas a Cirene; visitantes vindos de Roma, tanto judeus como convertidos ao judaísmo; cretenses e árabes. 
Nós os ouvimos declarar as maravilhas de Deus em nossa própria língua! " 
(Atos 2:9-11) 
 
Unidade na diversidade.  
Essa frase define bem a Igreja de Jesus. Uma comunidade de pessoas marcadas pelas diferenças, mas que, intencionalmente, resolvem caminhar juntas. Jesus não nos chamou para sermos iguais, Ele respeita as nossas particularidades, nossas diferenças, nossas escolhas. 
Não precisamos ser iguais para sermos "um". 
A unidade da Igreja não é evidenciada pela sincronia dos movimentos, preferências e aparências dos seus membros, e sim, pela direção que caminham. Em uma das exortações que Deus fez a Israel por meio do profeta Amós, Ele questiona: “Duas pessoas andarão juntas se não estiverem de acordo? ” (3:3‬).  

Por sermos seguidores de Jesus, nos dispomos a superar as nossas diferenças para andarmos juntos. A direção e a forma de caminhar são estabelecidas pelo Mestre e nós obedecemos, Ele é a referênciaDeixamos de olhar para nós mesmos e olhamos para o Cristo. Enquanto os nossos olhos não saírem de nós mesmos, seremos incapazes de experimentarmos a unidade proposta por Jesus.  

Alguém já disse que os cristãos "abandonaram o reino do Eu para abraçarem o Reino de Deus", pois, no Reino de Deus, nada é conjugado na primeira pessoa do singular, mas sempre na primeira do plural. E na caminhada do dia a dia, inevitavelmente, as nossas diferenças serão um grande obstáculo a ser superado. O caminho não é esconde-las ou mudá-las, mas aprender a viver com todas as nossas características, pois são nelas que se escondem a nossa identidade. Quem somos é o conjunto de pequenos detalhes que compõe esse "mosaico" da nossa existência, exatamente igual à Igreja de Jesus.

O derramamento do Espírito Santo na festa do Pentecostes (At. 2) foi o início de uma nova era na humanidade. Desde a tentativa da construção da Torre de Babel (Gn 11), as diferenças entre as pessoas seria o maior impedimento à comunhão. O próximo passou a ser o estranho, o inimigo o opositor. Há um detalhe muito importante nessa narrativa de Gênesis 11. Como é sabido, os onze primeiros capítulos do livro do Gênesis não são narrativas históricas literais, mas contos que se propõe explicar, do ponto de vista teológico, a origem de todas as coisas. Não é à toa que muitos chamam o primeiro livro da Bíblia de “O livro dos Inícios”.  

O texto diz que quando Deus resolve desarticular o projeto dos homens de construir a torre, Ele disse: “Venham, desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam mais uns aos outros" (v.7). Aqui há o ponto chave. Quando perdemos a capacidade de dialogar, quando deixamos de ouvir e ser ouvidos, as diferenças que deveriam ser a mais bela as características de um povo, passa a ser o principal fator de rupturas. Na escuta há empatia, há ponto de contato, há comunhão. No Reino de Deus, ouvimos a voz de Jesus e as vozes dos irmãos.  

O maior poder que os seguidores de Jesus receberam em Pentecostes foi a capacidade de ser um só povo. Ali, os preconceitos, as discriminações, os julgamentos caíram por terra. 

Se manifestou o poder da unidade, da aceitação, do acolhimento. 

Ninguém é mais estranho, todos somos irmãos queridos e benditos e Deus, que é um só Deus e Pai de todos, é sobre todos, por meio de todos e em todos. (Ef. 4.6). 


Lázaro Sodré 
(Pastor da Igreja Batista Alvorada, Aju - SE) 

Esse texto faz parte das pastorais dominicais.