domingo, 9 de fevereiro de 2020

O ESCÂNDALO DA GRAÇA


“Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela".
 
(João 8.7)

A graça de Deus sempre foi motivo de escândalo. Os homens sempre tiveram dificuldades de entender como um Deus tão poderoso pode, ao mesmo tempo, ser tão misericordioso e compassivo. Essa foi, por exemplo, a crise de Jonas. O profeta além de não entender isso, como não aceitava que essa graça poderia alcançar um povo tão indigno, pecador e pior, tão diferente dos padrões que ele achava correto. Jonas ficou revoltado com a misericórdia de Deus exercida sobre os ninivitas, e por isso disse: “Ah! Senhor! Não foi esta minha palavra, estando ainda na minha terra? Por isso é que me preveni, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade, e que te arrependes do mal. Peço-te, pois, ó Senhor, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver.” (Jn 4:2,3).
Esse incômodo perdurou até os tempos de Jesus. Primeiro com os próprios discípulos do Mestre, que demonstraram insatisfação quando Jesus, não apenas não mandou fogo para consumir os incrédulos samaritanos, como os repreendeu por pensar que Deus poderia agir de tal forma (Lc 9.54-55). Mesmo seguindo a Jesus, os discípulos, talvez sem perceber, reproduziram uma compreensão comum que as pessoas tinham sobre Deus. Contudo foram os fariseus que mais tiveram dificuldades de entender como o Deus Eterno poderia ser tão pródigo em sua graça e bondade. A religiosidade sempre é o principal obstáculo para aceitar a graça do Senhor. Tudo que foge aos padrões, que extrapola os limites e que alcança os diferentes, desmonta a estrutura rígida da religião, e confunde aqueles que se sentem imbuídos de zelar pelo seu bom funcionamento. 
Porém ainda hoje a graça de Deus é “pedra no sapato” dos legalistas e fundamentalistas religiosos. Para esses, é inconcebível que a Graça não esteja acompanhada da ira de um Deus furioso, interessado em exercer justiça sobre os irreconciliáveis pecadores. A frase “Deus é amor, mas também é justiça” esconde a imensa dificuldade de compreender tanto a graça, como a forma como Deus exerce a sua justiça. Mas de onde vem essa dificuldade?
Além do legalismo e fundamentalismo que limitam a compreensão da Graça de Deus, existem outros elementos que também dificultam tal compreensão e aqui destaco dois:
- A falta de exame próprio: O apóstolo Paulo nos instruiu: “examine, pois, cada um a si mesmo...” (1 Co 11.28), e Jesus nos alertou do risco de nos incomodar com o “cisco no olho do irmão”, mas não tratarmos da “trave em nosso próprio olho”. (Mt 7.3-5). A religiosidade inverte essa lógica. Ao invés de auto examinarmos, nos tornamos implacáveis patrulheiro da fé, conduta e erros alheio. Mas cito aqui uma das brilhantes frases, atribuídas ao C.S Lewis: "Se o maior pecador que você conhece não é você, você precisa se conhecer." É isso, quanto menos nos conhecemos, mais dificuldade teremos para compreender e, consequentemente, de aceitar a Graça do Senhor.
- A falsa sensação de segurança da religião: As práticas religiosas têm um poder ludibriante. Nos causa a falsa sensação de auto justificação. Se faço, se dou, se cumpro, se sou diligente, sou merecedor, sou digno. Esse é o princípio da meritocracia, que é transferido para a relação com Deus. Mas no Evangelho de Jesus a lógica é diametralmente oposta. Não somos, e nem conseguiremos ser justos, fomos justificados. Paulo diz o seguinte: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie...” (Ef. 2.8-9).
A cena posta nesse capítulo é exatamente essa. Jesus está ensinando no templo e os fariseus, exercendo o que é comum aos legalistas, trazendo a julgamento uma mulher acusada de adultério. Nesse episódio, 4 ações denunciam o legalismo do fundamentalismo religioso:
1. Patrulha e Vigia o comportamento alheio.
2. Expõe, humilha e oprime aos outros.
3. Justifica a perversidade e maldade com a desculpa de zelo pela Lei de Deus.
4. São incapazes de ver os seus próprios erros.
Mas encontram se com Jesus. Há um sutil comentário que o Evangelista coloca no texto: “Eles estavam usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo...” (v. 6). Ou seja, eles não queriam atingir apenas a mulher, mas ao Senhor também. A presença e as palavras libertadoras de Jesus são extremamente constrangedoras e incômodas para qualquer um que não consegue compreender como o amor e as misericórdias de Deus se manifestam.
Mas a forma como Jesus reage a tudo isso nos ensina lições profundas do poder da Graça de Deus que alcançam, até mesmo, os intolerantes e raivosos, que se escondem por detrás da religião para perpetuar sistemas de opressão, violência e ódio. Olhando para Jesus aprendemos que, em Jesus de Nazaré, Deus nos oferece perdão e Graça.
1. Porque o Senhor não expõe, não humilha e tão pouco oprime – Jesus poderia expor a todos os que estavam ali. Poderia humilha-los, apontando para as suas fraquezas, dificuldades e incoerências, mas o Mestre preferiu reafirmar o seu convite: "Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (Mt. 11.28-30). Não compreenderemos a Graça de Deus se não abrirmos mão do “jugo” da religião para aceitarmos o “jugo” de Deus. 

2. O Senhor convida para a difícil, mas necessária tarefa do autoexame: “Quem não tiver pecado, atire pedra nela...” Simples palavras, mas de profundo impacto! Se cada um de nós assumirmos o compromisso de corrigir as nossas próprias falhas, além de não sobrar tempo para vigiar o próximo, compreenderíamos melhor a misericórdia de Deus.

3. O Mestre de Nazaré nos mostra a face do Senhor que não condena, mas acolhe: Há uma história interessante da vida do Rei Davi. Depois de cometer um grave pecado e ser confrontado com as possíveis consequências, a escolha do rei nos ensina sobre o nosso Deus: “... Prefiro cair nas mãos do Senhor, pois é grande a sua misericórdia, e não nas mãos dos homens". (I Cr. 21.13). Jesus manifesta essa Graça de Deus de modo abundante. Em Jesus, qualquer pecador tem a possibilidade de receber acolhimento e segundas chances.

4. Jesus convida para “A Nova Vida”: Essa é a proposta do Evangelho, novidade de Vida. O que todos os pecadores precisam é de novas oportunidades para reescreverem as suas histórias. Outro detalhe importante na forma como Jesus trata a mulher, e que antes de dizer: “...vá e não peques mais...”  o Senhor declarou: “Nem eu te condeno...”. As palavras libertadoras e manifestam a Graça de Deus, que não oculta os erros, mas redime os pecadores, os liberta da opressão do pecado e dá novas condições para experimentarem vida.  

Jesus de Nazaré é o Cristo que nos oferece perdão. Essa é a “Boa Nova” do Evangelho. Em Jesus todos os pecadores alcançam perdão. Em Jesus, toda a opressão do pecado e da religião caem por terra, para dá lugar a vida abundante que Deus nos oferece, graciosamente. 

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

CONSELHOS PARA OS QUE DESEJAM UM ANO NOVO (corrigido e ampliado)



"Espere no Senhor. Seja forte! Coragem! Espere no Senhor."
(Salmos 27:14)

Não há como ter um ano novo fazendo as mesmas coisas.
Por mais óbvio que pareça ser, nada muda, se nada muda. Sei que todos desejam um ano novo, e mais, um feliz ano novo! Não apenas novas datas de um calendário, mas, uma nova agenda, novas oportunidades, novas experiências. Porém, sei também que a maioria das pessoas que conheço não terão como mudar muitas coisas em suas vidas.

Continuarão nos mesmos empregos,  morando na mesma casa, cercadas das mesmas pessoas, tendo a mesma rotina. Continuarão com as mesmas preocupações, mesmo corre-corre e, até mesmo, os mesmos estresses.

Para essas pessoas cabe a expressão do autor do Eclesiastes "Não há nada de novo debaixo do sol" (Ecl. 1.9). Talvez, para essas pessoas, desejar ou sonhar com um ano novo pode parecer apenas um jargão sem sentido, ou uma doce ilusão de românticos ingênuos.

Porém, nesse versículo 14 do Salmo 27, o salmista nos convida a pensar, ter esperança e colocar o Senhor no “centro” das nossas vidas.

"Espere no Senhor. Seja forte! Tenha Coragem! ‘E descanse, esperando’ no Senhor."

Comece o ano sabendo disso: Existem muitas coisas que não temos a menor capacidade ou a competência de muda-las. Tem coisas que não sabemos o que fazer para muda-las e nem cabe a nós fazer isso. Pessoas, situações, condições, organizações...

Sobre essas coisas, espere no Senhor. Não adianta se desgastar imprimindo forças ou gastando energia naquilo que você não pode nada fazer. Talvez o desafio seja, até mesmo, aprender a viver com elas, ouvindo do Senhor: “A minha Graça te Basta!”. (2 Co. 12.9)

Sobre isso: Ore, entregue nas mãos do Eterno e descanse.

Mas seja forte também!

Alguém já disse que a vida não dá mole para quem é fraco. O mundo não vai parar para você se recompor, para você enxugar as suas lágrimas, para você entender os caminhos e descaminhos do viver. “Parta pra cima!” Se esforce, permaneça firme. Acorde mais cedo, durma mais tarde, ore bastante.

Numa frase atribuída ao pastor Martim Luther King, somo encorajados: "Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito”.

Não tenha medo de pedir ajuda quando necessário. Estude mais, trabalhe mais, ame mais, sorria mais, compartilhe vida, estabeleça laços verdadeiros de amizade e comunhão. Não fique reclamando, ninguém vai ouvir as suas reclamações (não por muito tempo), vou lhe contar um segredo: ninguém gosta de ficar ouvido reclamações e murmurações em todo o tempo.

Mas também lembre-se de duas coisas importantes:  Você não precisa ser forte o tempo todo e nem passar pelas lutas sozinho. Às vezes, o maior sinal de força é se reconhecer fraco, e pedir ajuda aos amigos e irmãos.

Tenha coragem!

É tolice esperar um ano novo fazendo as mesmas coisas. Tenha coragem para resolver aquele problema que tira a sua paz, para encarar seus medos, para tratar traumas, para sair de um relacionamento abusivo e tóxico. Coragem para começar aquela especialização, para se lançar em novos projetos, para aprender algo novo e fazer novas amizades. Tenha coragem para se dedicar mais ao Senhor da sua vida, lembre-se dos seus dons, talentos, do seu chamado. Pare de dar desculpas, isso é chato e não agrada a Deus.

Tenha coragem para casar, coragem para melhorar seu desempenho, para conhecer novas pessoas, para recomeçar a sua vida, se for o caso. Seja corajosa ou corajoso e comece a cuidar do seu corpo, da sua saúde emocional, da sua alma! Faça exercícios, mude hábitos alimentares que te fazem mal, leia bons livros, comece uma terapia, ouça boas músicas, cultive disciplinas espirituais. Não esqueça, Deus sempre nos dá novas oportunidades. Sempre haverá lugares novos para lançarmos as nossas redes.

Um ano novo só pode ser vivido por quem tem coragem, muita Coragem!

E por fim, depois de ter feito tudo o que cabe a você, consagre ao Senhor o trabalho das suas mãos e espere no Nele. Talvez você vai passar o ano novo com as mesmas pessoas, fazendo as mesmas coisas, vivendo nos mesmos ambientes. Você pode até fazer novamente tudo o que você fez e viveu no ano que passou, mas pode fazer isso de uma forma bem melhor. Com mais vida, mais amor, mais paixão. Com excelência, alegria e leveza.

Viver é um misto dessas coisas. E esse é um caminho para quem, de fato, deseja fazer e viver um Ano Novo.


Pr Lázaro Sodré
- texto publicado originalmente em 2018

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

"O Cântico de Maria" -Um louvor sobre política, economia, opressão e a misericórdia de Deus em pleno Natal

UM NATAL DE MISERICÓRDIA

“Disse então Maria:

A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; Porque atentou na baixeza de sua serva; Pois eis que desde agora todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque me fez grandes coisas o Poderoso; E santo é seu nome.

E a sua misericórdia é de geração em geração sobre os que o temem.
Com o seu braço agiu valorosamente; dissipou os soberbos no pensamento de seus corações. Depôs dos tronos os poderosos, E elevou os humildes.

Encheu de bens os famintos, E despediu vazios os ricos. Auxiliou a Israel seu servo, recordando-se da sua misericórdia; como falou a nossos pais, para com Abraão e a sua posteridade, para sempre.

E Maria ficou com ela quase três meses, e depois voltou para sua casa.”

(Lucas 1:46-56)

O nascimento de Jesus é muito mais do que um evento religioso.

As implicações do Natal do Cristo de Nazaré, atinge, em cheio, questões religiosas, sociais, éticas, políticas e econômicas. Os evangelhos registram que Jesus nasceu em Belém da Judéia, no tempo em que Herodes era o rei de Israel.


Dois sumo-sacerdotes exerciam o poder no templo de Jerusalém, Caifás e seu sogro, Anás. Jesus era filho de Maria, uma jovem prometida a um carpinteiro chamado José, da linhagem de Davi e, apesar de estarem em Belém da Judeia, moravam numa vila pobre de camponeses, na província da Galileia, chamada Nazaré.

Não podemos desconsiderar essas informações sobre Jesus e o contexto do seu nascimento. Todas essas questões são tão importantes que, quando o apóstolo Paulo falou do cumprimento da promessa, na vinda do Messias, ele se refere a um tempo oportuno, ou, na plenitude dos tempos. (Gl.4.4; 2 Co.6.2 citando Is. 49.8). Deus levou em consideração o domínio Romano, toda a turbulência interna e externa a Israel, os anos de opressão e exploração em que a Galileia passou, o preconceito étnico e social que Samaria sofria e toda a corrupção político-religiosa da Judeia. 

Maria estava muito atenta a tudo isso, e de forma profunda e extremamente precisa, ousadamente, apontou, em seu cântico, como o Senhor resiste e reprova toda opressão, violência e corrupção dos homens, e como, num ato de misericórdia, socorre os que acreditam e confiam Nele. 

Vermos isso em cinco partes.

“Então disse Maria: "Minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.” (vs. 46,47)

Apesar de Maria falar na primeira pessoa “...meu salvador”, a fala dela é o eco da voz de todas as mulheres de Israel. Esse é o único discurso longo de uma mulher no Novo Testamento, e um dos maiores em toda a Escritura. Maria apresenta Deus como o Salvador de todos os oprimidos e, em especial aqui, de todas as mulheres. 

Esse cântico encontra precedentes em outros Cânticos do Antigo Testamento, onde se cantam a atuação misericordiosa, graciosa e poderosa de Deus em libertação do seu povo. (Mirian Êx 15; Débora Jz 5; Ana ISm 1). 

Esse cântico de Maria nos desafia a não aceitar pacificamente nenhuma estrutura de opressão. Historicamente as mulheres têm sofrido diversas formas de violência em nossa sociedade: Violência doméstica e obstétrica; assédios nos ambientes de trabalho e nas ruas; discriminadas e preteridas em suas profissões e carreiras acadêmicas. Esses são apenas alguns exemplos das inúmeras situações em que as mulheres são expostas, apenas pelo fato de serem mulheres. Mas o que Maria afirma em seu cântico, é que Deus não aprova nenhuma forma de abuso ou opressão, nem mesmo aquelas disfarçadas de piedade e zelo religioso.   

“pois atentou para a humildade da sua serva. De agora em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada, pois o Poderoso fez grandes coisas em meu favor; santo é o seu nome.” (vs 48, 49).

A palavra baixeza, ou humildade (gr. tapéinosis), é usada muitas vezes no Antigo Testamento Grego (A vulgata Latina), para fazer referência a humilhação social e política que Israel sofria sob a dominação de potências estrangeiras (Dt 26.7; ISm 9.16).

Encontramos algumas semelhanças na atuação de Maria com ícones importantes do Antigo Testamento como Abraão e Moises. Assim como Abraão que, pela fé, deu início a peregrinação do povo de Deus no Antigo Testamento, e por isso foi chamado de “O Pai da Fé”, Maria deu início a caminhada do povo no Novo Testamento com um chamado de fé, é isso que Isabel diz: “Bem-aventurada a que creu, pois hão de cumprir-se as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas.” [Lc 1:45].

Já o título do “grande libertador” do Antigo Testamento, está com Moisés. É lógico que estamos falando aqui de uma libertação político-econômico-social e não há como comparar a atuação de Moisés com a de Jesus. Sendo assim, qualquer atuação no Novo Testamento é ofuscada pela glória única do Filho de Deus. Porém, se compreendermos que Moisés foi apenas um instrumento de atuação do Poder Divino, e que o grande Libertador mesmo é o próprio Deus, podemos assemelhar a sua atuação a Maria que compreendeu isso dizendo: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra.” [Lc 1:38]

Portanto, assim como há espaço na tradição Judaico-Cristã para Abraão e Moisés, deve haver de igual modo para Maria, como serva importante da atuação de Deus na história da redenção, tanto pela sua fé, quanto pela sua obediência.

“A sua misericórdia estende-se aos que o temem, de geração em geração. Ele realizou poderosos feitos com seu braço; dispersou os que são soberbos no mais íntimo do coração.” (vs 50,51)

Essa expressão: “...agiu com o seu braço agiu valorosamente”, é usada no Antigo Testamento para indicar o agir de Deus a favor do seu povo, especialmente em relação ao êxodo, e mais uma vez, Maria se aproxima de Moisés quando Deus a usa como um instrumento precioso nesse processo de libertação do seu povo.

“Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos.” (vs. 52,53)

Havia, na tradição do judaísmo popular do tempo de Jesus, uma oração onde um judeu agradecia a Deus todos os dias por não ter nascido mulher, não ter nascido cachorro e não ter nascido samaritano. Acredito que a partir daqui ficaria difícil tal comparação.

O Deus poderosos age em favor dos humilhados e oprimidos, contra as forças socio religiosas e político-econômicas que se opõe ao seu projeto, subvertendo a estrutura da sociedade que perpetua tais distinções. O Evangelho do Reino é a Boa Nova de salvação que desfaz qualquer mecanismo opressor. Seja étnico, social ou de gênero, em Jesus Deus faz uma nova humanidade:

“Todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus, pois os que em Cristo foram batizados, de Cristo se revestiram. Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus. E, se vocês são de Cristo, são descendência de Abraão e herdeiros segundo a promessa.” (Gl.3.26-29).

Auxiliou a Israel seu servo, recordando-se da sua misericórdia; Como falou a nossos pais, para com Abraão e a sua posteridade, para sempre.” (vs. 54,55)

O Magnificat, ou o Cântico de Maria, é esse grande cântico libertador de marca o início do Reino de Deus. É um documento revolucionário e intenso, produzido por uma mulher que proclama as virtudes e os valores de misericórdia, paz, justiça, humanidade, compaixão e igualdade da espécie humana (Adão, no AT). 

Aqui está um cântico de louvor ao Deus misericordioso e libertador das mulheres e dos oprimidos, explorados, cujos direitos foram e são diariamente violados. Esse cântico de Maria nos apresenta a dinâmica do Reino de Deus, inaugurado em Jesus de Nazaré, onde a economia é transformada (os poderosos são depostos e os humilhados são elevados), a violência é superada e o alimento é fornecido aos famintos. 

A espiritualidade do Natal de Jesus está na santidade, na misericórdia e na solidariedade para com os que sofrem. Nos corações em que Jesus nasce, Ele faz brotar essas coisas.


terça-feira, 24 de dezembro de 2019

FELIZ NATAL



“Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor.”

(Lucas 2:11)

Anjos se ocuparam de anunciar o nascimento de Jesus a alguns pastores no campo. Foi em Belém, uma das aldeias de Judá, sul de Israel. O local não foi o mais adequado, o período também não. Seus pais estavam em plena viagem para o recenseamento exigido pelo imperador. De improviso, numa manjedoura, único local disponível. Nenhuma hospedaria disponibilizaria um leito para uma mulher grávida, nos dias de ter a criança. Pela Lei de Moisés, o local do parto ficaria impuro por uma semana, e como a cidade estava cheia, seria um enorme prejuízo ao dono.

Mesmo naquele local, guardado pelos seus pais, observado pelos animais, envolto em panos, recebeu a visita de magos, guiados pela estrela, vindos do Oriente. Não se sabe quantos, o que sabemos é que eles o presenteou com ouro, incenso e mirra. Ali estava uma criança. Para alguns, outra como muitas. Mas para os que conheciam a promessa, era o prometido, o Cristo de Deus, o Salvador do mundo.

É por conhecer a promessa que nós, discípulos de Jesus, nos alegramos tanto com o Natal. Olhamos para aquela manjedoura e percebemos ali, de carne e osso, no seio da sua mãe, o favor do Deus Eterno. Jesus, o filho de Deus, é a materialização do amor. A Trindade Santa encarna para fazer cumprir o projeto de levar toda a raça humana de volta ao Pai, nos livrando da morte, do pecado, da desumanização.

Por isso não é exagero nenhum celebrarmos o Natal com tanta ênfase. Luzes, árvores, canções, trocas de presentes, família reunida, ceia. Tudo isso são sinais que apontam para o menino Deus, filho de Maria e José. Os cristãos ao longo dos séculos fazem questão de celebrar tudo isso.

Porém, para não perder o sentido, para não deixar que a festa de aniversário seja mais importante do que o aniversariante, é interessante, pelo menos por um momento, voltarmos à simplicidade do evento inicial. Mesmo sendo Deus e podendo nascer da mulher mais poderosa do mundo, escolheu a humilde Maria. Mesmo podendo proporcionar a maior recepção que o mundo já viu, digna dos reis, foi numa desconfortável viagem, numa simples aldeia, nos fundos da casa de um aldeão. Mesmo podendo ser anunciado em todas as nações do mundo, para ser recebido pelas figuras mais ilustres não só de Israel, mas de Roma e do Egito, as nações mais importantes da época, Ele foi recebido por simples pastores, magos e camponeses.

O Senhor dos céus e da terra fez isso, provavelmente, para nos ensinar que Ele não precisa do trono dos reinos, honrarias formais ou ostentações materiais. O Mestre não veio construir e nem tomar posse de Impérios humanos, Ele veio reinar em corações. Por isso, a forma mais adequada de se celebrar o Natal é fazendo dos nossos corações uma manjedoura.

Se o Cristo não nascer em cada um de nós, perde-se completamente o sentido da festa. Jesus nasceu para nos dá vida, a vida de Deus. Ele é a porta de acesso a comunhão. Comunhão com Deus, nos livrando da religiosidade e paganismo. Comunhão com o nosso próximo, nos livrando do egoísmo e individualismo. Se junto com as luzes, árvores, trocas de presentes, ceias e canções, Jesus não nascer em nós, tudo isso não passará de uma festa, simples festa do consumismo, da glutonaria, da ostentação e da hipocrisia. Os discípulos de Jesus não esquecem da festa e muito menos do festejado, do aniversariante, do Salvador, que é Cristo, o Senhor.

Um Feliz Natal.


Pr Lazado

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

A GRAÇA NOS VISITOU NO NATAL



 “E, naqueles dias, levantando-se Maria, foi apressada às montanhas, a uma cidade de Judá, E entrou em casa de Zacarias, e saudou a Isabel. E aconteceu que, ao ouvir Isabel a saudação de Maria, a criancinha saltou no seu ventre; e Isabel foi cheia do Espírito Santo. E exclamou com grande voz, e disse:

Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre. E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor? Pois eis que, ao chegar aos meus ouvidos a voz da tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada a que creu, pois hão de cumprir-se as coisas que da parte do Senhor lhe foram ditas.”

(Lucas 1:39-45‬‬)‬‬

O evento mais extraordinário da história, sem dúvidas, foi o nascimento de Jesus de Nazaré. A promessa do Cristo, aguardado por Israel, foi cumprida em Belém da Judeia, numa manjedoura, a partir do ventre de uma jovem chamada Maria. 

O mais surpreendente é que ali, não apenas o Messias prometido veio ao mundo, mas numa revelação recebida por Pedro aprendemos o grande mistério sobre a identidade de Jesus: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.”, disse Pedro. (Mt. 16.16). 


Jesus de Nazaré não é apenas o Messias, o Ungido, o Cristo e sim, o Filho do Deus vivo. Esse é o grande mistério do Natal. O fruto do ventre de Maria é o Senhor soberano de toda a terra, uma das pessoas da Trindade Santa que encarna como homem, a partir do ventre de uma mulher.

Por isso, em meio ao mistério e a beleza da encarnação, expressões de louvor a Deus são registradas nos eventos da Anunciação. Lucas registra quatro cânticos com expressões de louvor e adoração ao Eterno, diante do cumprimento da maravilhosa promessa do Natal.

O primeiro é esse transcrito acima, o cântico da beatitude de Izabel, seguido do Magnificat de Maria (1.47), depois o cântico de Zacarias, o benedictus (1.68) e por fim um coral de Anjos cantam o In excelsis Deo (2.14). As canções sempre estiveram presentes nos cultos de louvor a Deus.

Diante dos grandes feitos do Senhor, homens e mulheres ao longo dos séculos quebrantam seus corações diante da graça abundante do Senhor.  Os cristãos também passaram a celebrar o nascimento do Senhor cantando a glória de Deus.

Analisando essa cena da visita de Maria a Izabel, podemos perceber a ação graciosa de Deus em detalhes importantes. Primeiro, o inicio do cumprimento de uma profecia. Note que ao ouvir a voz de Maria, tanto Izabel quanto a criança em seu ventre percebem a presença de Deus, e são tomados pelo Espírito Santo. 

Aqui somos remetidos a duas passagens do Antigo Testamento: A primeira, ao oráculo do profeta Joel que, falando dos dias do Messias, nos disse que Deus derramaria do Seu Espírito sobre toda a carne (Jl. 2.28) e também a expressão do Rei Davi diante da Arca da Aliança: “Como virá a mim a arca do Senhor?”  (2 Sm. 6.9). 

Perceba quanta semelhança entre a expressão de Davi e a de Izabel. Ela, tomada pelo Espírito Santo diz: "E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?" A presença de Jesus, mesmo no ventre de Maria, manifesta a graça do Deus Emanuel.

Mas além disso, três outras expressões do Cântico de Izabel nos ensinam como a graça de Deus se tornou acessível no Natal:

Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre.

Maria se tornou a bendita mãe do filho de Deus, por se submeter à Sua vontade. O Senhor, pela Sua Graça, fez de Maria uma mulher bendita, ou, como ela mesma disse, uma bem-aventurada. Não por ela, não por seus méritos, mas porque ela confiou nos cuidados dAquele que detêm todo o poder. 

Quando recebeu o anúncio do Anjo, mesmo sem entender, com medo e assustada, Maria deu a única resposta possível para os que confiam no Senhor: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra.” (Lc. 1.38). Os benditos são, sempre, os que continuam crendo.

“E de onde me provém isto a mim, que venha visitar-me a mãe do meu Senhor?”

Jesus é o Senhor! Essa compreensão foi obtida pelos discípulos depois da ressurreição de Jesus. O título de Senhor foi dado a Jesus depois de ter vencido a morte. Entretanto, Izabel compreendeu isso mesmo antes de Jesus nascer.

Reconhecer que Ele é o Senhor, é compreender que Ele detém todas as coisas, inclusive as nossas vidas. Depois de ressurreto, em suas últimas palavras aos seus discípulos, Jesus afirma: “Toda autoridade me foi dada nos céus e na terra”. (Mt. 28.18).

Jesus é a manifestação do poder Gracioso de Deus que, mesmo sendo o Senhor de todo o universo, que mantém e sustenta todas as coisas, Ele se importa com cada um de nós e nos visita. 

"Pois eis que, ao chegar aos meus ouvidos a voz da tua saudação, a criancinha saltou de alegria no meu ventre."

Os corações que recebem a Jesus se enchem de alegria. A alegria passa a ser uma companheira dos que creem. Os que têm essa alegria não são ingênuos para imaginar que não passarão por dificuldades ou não serão desafiados com as lutas da vida, mas confiam na presença daquele que é maior do que qualquer circunstância que a vida possa apresentar.

 É isso que significa ser “Bem-Aventurado”. Os Bem-Aventurados podem até chorar, mas serão consolados. 

   Muito mais do que uma festa, muito além do que um calendário litúrgico, muito mais profundo do que cerimonias, trocas de presentes e decorações, o Natal é a visitação do Deus cheio de Graça que se faz presente em Jesus de Nazaré. Perceber a presença de Jesus é ter acesso a maravilhosa Graça do Deus Eterno e bondoso, salvador de todos os que creem.


Pr Lázaro Sodré

Pastor da Igreja Batista Alvorada, em Aracaju-Se.

 (Essa pastoral faz parte dos textos
 compartilhados dominicalmente 
na comunidade, por meio do 
boletim impresso).

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

TODOS NÓS PRECISAMOS DE ENCORAJADORES

“José, um levita de Chipre a quem os apóstolos deram o nome de Barnabé, que significa encorajador...”
(Atos 4:36)

As vezes viver cansa. Existem inúmeros momentos em que a vida nos vence pelo cansaço. Perdemos a alegria, a espontaneidade, a vontade de viver.

Deixamos de ver caminhos possíveis e não conseguimos reagir aos reveses da vida. É aí que o desânimo nos alcança. Isso acontece com todo mundo em algum momento da nossa peregrinação por aqui. São problemas familiares, desajustes financeiros, decepções com as pessoas, frustrações acadêmicas ou profissionais, planos e projetos que não deram certos. A lista é infindável de coisas que trabalham para nos jogar no chão. E, não poucas vezes, todas essas situações afetam a nossa fé. Não é que deixamos de acreditar em Deus como criador e mantenedor de todas as coisas, ou em Jesus como único e suficiente salvador.

Não estou falando de ateísmo ou de apostasia, mas daquilo que Davi chamou de “alegria da salvação” (Sl. 51.12) e o São João da Cruz de “A Noite Escura da Alma”.

Nesses momentos Deus parece estar longe e alheio às nossas lutas. Uma sensação de solidão invade a alma e, mesmo cercado de pessoas, nos sentimos sós. São nessas horas que precisamos dos “Barnabés”.

Barnabé era como os apóstolos chamavam a José, um levita, nascido numa ilha do mar Mediterrâneo chamada Chipre, que era discípulo der Jesus de Nazaré. A palavra grega usada pelos Apóstolos para se referirem a ele foi paráklesis, ou paráclito, a mesma palavra usada em Jo. 14.26, falando sobre o Espírito Santo.

José tinha a capacidade de consolar, exortar e encorajar as pessoas. Uma das cenas narradas nas Escrituras onde José agiu dessa forma foi em Atos 11, quando o Evangelho chegou em Antioquia. Lá, numa Igreja nascente, constituída em sua maioria por gentios, Barnabé foi enviado pelos Apostolo para dar apoio e o texto Bíblico traz o seguinte relato: “Este (barnabé), ali chegando e vendo a graça de Deus, ficou alegre e os animou a permanecerem fiéis ao Senhor, de todo o coração. Ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé; e muitas pessoas foram acrescentadas ao Senhor.” (At 11:23,24).

Possivelmente essa nova Igreja tinha muitas coisas que não estavam como deveriam estar. Talvez o ambiente em que esses irmãos estavam iniciando a sua fé era hostil e difícil para a caminhada, provavelmente a doutrina que era ensinada nessa Comunidade tinha muitas falhas, mas José preferiu ver as coisas positivas. Um encorajador tem essa característica: Ao invés de destacar as falhas, os pontos negativos, os erros, ele prefere valorizar as coisas positivas.

As palavras de um encorajador geram vida, aponta caminhos, conforta, aconselha. Exortar é ser um instrumento para que o outro permaneça de pé. A vida para muitos de nós é uma dura batalha diária, e, por isso, precisamos fortalecer e acolher uns aos outros. O que menos precisamos é de julgamentos e comentários que geram morte. É importante saber policiar a nossa língua, se não podemos abençoar, que não amaldiçoemos, é o conselho que Tiago nos dá (Tg.3). Um encorajador é empático e solidário. São pessoas que conseguem perceber a angustia do outro pelo olhar, pelo tom da voz, pelo cansaço do corpo.

Um dos sinais de que temos comunhão com Deus é quando somos sensíveis às pessoas ao nosso redor e nos dedicamos a fortalece-los. Na comunidade de Jesus os irmãos levam os fardos pesados uns dos outros (Gl 6.2), ninguém fica pelo caminho, se não for para chegarmos lá juntos, também não queremos chegar sozinhos. Como discípulos de Jesus sabemos que vamos enfrentar as batalhas da vida, mas também com a certeza de que não as enfrentaremos sozinhos. Temos ao Senhor, e temos uns aos outros.

Caminhando lado a lado, ora sendo os necessitados do cuidado, ora cuidando. E nesse caminhar de constante aprendizado, em duras lidas, que desejemos aprender, sobretudo, a sermos BARNABÉS, que consolam, que iluminam os caminhos, que ajudam a ter nova esperança, que levam a Paz.


Lázaro Sodré
(Pastor da Igreja Batista Alvorada, Aju - SE) 
Esse texto faz parte das pastorais dominicais.


segunda-feira, 14 de outubro de 2019


JESUS, O CRISTO VINDO DE NAZARÉ
(Série: Eu Sou Jesus, o Cristo)

“Disse-lhe Natanael: Pode vir alguma coisa boa de Nazaré”
 (João 1:46)

Sobre Jesus Cristo algumas afirmações são inevitáveis, e, uma delas, é que ele sempre deixava claro os seus posicionamentos. O mestre nunca ficava em cima do muro, nunca deu margem para confundirem os seus posicionamentos. Nenhum Fariseu ou um de seus discípulos ficaram em dúvida sobre as escolhas e opções. Ele sempre se fez devidamente entendido. Os lugares que ele frequentava, as pessoas que se assentavam à sua mesa, os seus ensinamentos e protestos, tudo isso lhe conferiu rótulos, por exemplo: Amigo de publicanos e pecadores” (Mt. 9.11).  As confusões que os mestres da Lei e autoridades faziam, não era porque não entendiam o que Jesus falava, mas, sim, por que não concordavam. A questão era: “Com que autoridade fazes essas coisas? (Mt. 21.23) ou, desmerecendo diziam: “Não é este o filho do carpinteiro?” (Mt. 13.55).

Sim, Jesus era filho de trabalhador braçal, um carpinteiro iletrado e de Maria, uma mulher do campo, sem “linhagem real”. Ele veio da região menos favorecida de Israel, a Galileia. Nasceu em Belém, mas fez morada em Nazaré. Nem podemos chamar Nazaré de cidade, nem mesmo segundo os padrões do tempo de Jesus. Ali, no máximo, uma vila de camponeses, em sua maioria analfabetos. Não figurava nas grandes rotas econômicas e nem religiosas de Israel, e tão pouco de Roma, a capital do Império. Irrelevante, insignificante, desconhecida. Não é por menos o espanto de Natanael: “Pode vir coisa boa de Nazaré?”

Entretanto, Jesus permite ser reconhecido como “Nazareno”.

Os Judeus do tempo de Jesus eram extremamente preconceituosos. Misoginia e Xenofobia eram comuns entre aqueles homens. No Sidur, o livro das preces matinais dos judeus, havia uma oração que dizia: “"Oh, Senhor muito obrigado por não ter nascido cão (ou gentio), escravo e nem mulher".  Um não judeu, uma mulher e uma pessoa escravizada eram colocados no mesmo nível de um cachorro. A ideia de que os diferentes eram dignos de desprezo foi construída em Israel pelo legalismo religioso e pelo nacionalismo fanático. Apesar de Nazaré ser dentro do território de Israel, a sua inexpressão na tradição Judaica fazia dos seus moradores um tipo de gente desprezada.

Por isso que quando Jesus de Nazaré é apresentado como o Cristo, imediatamente causou um enorme estranhamento e rejeição. O Cristo não poderia vir de Nazaré, não poderia falar as coisas que Jesus falava, não poderia fazer o que ele fazia. Jesus se posicionou de modo diametralmente oposto à tradição que inferiorizava, oprimia ou rejeitava as pessoas, seja lá quem fosse. O Cristo de Deus rompe com a tradição dos rabinos e dos mestres da Lei por entender que “... o ‘sábado’ foi feito para o homem e não o homem para o ‘sábado’”. (Mc. 2.27) e que a Graça de Deus não era privilégio dos Judeus e muito mesmo limitada ao domínio dos “donos da religião”, às suas teologias, dogmas e preceitos.

Perceber o local que Jesus está, os adjetivos que lançam sobre ele e as pessoas com as quais ele entra em embate, nos ajuda a entender o processo de libertação que o Cristo de Deus produz em nossos corações.

- O CRISTO DE NAZARÉ NOS LIBERTA DO PRECONCEITO – Os preconceituosos e os discípulos de Jesus necessariamente estarão em lugares opostos. Não há o menor espaço em Jesus de Nazaré onde qualquer espécie de preconceito seja possível. Seguir ao Rabino Nazareno é saber que sempre Ele acolherá a todos os que foram marginalizados pelas estruturas de poder econômico ou religioso. Jesus “vulgariza” o Deus de Israel ao tira-lo dos templos e leva-lo às ruas, favelas e praças.

Os mais impressionantes encontros que Jesus teve não foi nos templos e sim nas ruas, entres os menos favorecidos, em conversas com os camponeses, trabalhadores operários e doentes. Isso não quer dizer que Jesus não aceita aos que tem posses, muito pelo contrário. A palavra “rejeição” não é encontrada nele. O que Jesus faz é quebrar o monopólio da religião seletiva de Israel, afirmando que o seu Deus e Pai não faz acepção de pessoas.

- O CRISTO DE NAZARÉ LIBERTA O ETNOCENTRISMO – foi o Desmond Tutu quem disse: “Deus não é Cristão”. Sim, nem judeu, nem grego e nem romano. Deus está para além de qualquer etnia, religião ou construto humano. Por mais obvia que pareça ser essa afirmação, ela é libertadora. Jesus ensina isso para uma mulher que encontra no poço (Jo. 4). O profeta Joel anuncia um dos oráculos mais impactantes do Antigo Testamento (2.28-32):

“... derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões. E também sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito. E mostrarei prodígios no céu, e na terra, sangue e fogo, e colunas de fumaça. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor. E há de ser que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo; porque no monte Sião e em Jerusalém haverá livramento, assim como disse o Senhor, e entre os sobreviventes, aqueles que o Senhor chamar.”

                Em Jesus, os filhos e as filhas, os velhos e os jovens e até os servos e as servas receberão do Espírito do Senhor. A Salvação alcançara Jerusalém, a cidade do Império e do Tempo, mas também a Galileia e a Samaria e a todos os que o Senhor chamar.

                - O CRISTO DE NAZARÉ LIBERTA DA RELIGIOSIDADE E NOS CONVIDA À ESPIRTUALIDADE - Jesus aproxima o Deus Eterno das pessoas. Não mais é necessário o tributo, as indulgências, os custos das cerimônias, os ritos de purificação. “Destruam o templo” (Jo. 2.19) e todas as suas estruturas, ordenou Jesus. Deus não mora nele. O Deus Eterno habita em corações, seja lá qual for, que deseja recebe-lo com sinceridade. A espiritualidade dos que se encontram com Jesus nasce nos corações que foram libertos. O Deus e Pai de Jesus não habita nos templos dos preconceitos, discriminações ou segregação, e sim nos corações do acolhimento, da graça e da fraternidade.





Lázaro Sodré
(Pastor da Igreja Batista Alvorada, Aju - SE) 


Esse texto faz parte de uma série de pastorais dominicais, baseadas no 
Evangelho de João, intituladas "Eu sou Jesus, o Cristo" - Texto n° 4