domingo, 9 de fevereiro de 2020

O ESCÂNDALO DA GRAÇA


“Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela".
 
(João 8.7)

A graça de Deus sempre foi motivo de escândalo. Os homens sempre tiveram dificuldades de entender como um Deus tão poderoso pode, ao mesmo tempo, ser tão misericordioso e compassivo. Essa foi, por exemplo, a crise de Jonas. O profeta além de não entender isso, como não aceitava que essa graça poderia alcançar um povo tão indigno, pecador e pior, tão diferente dos padrões que ele achava correto. Jonas ficou revoltado com a misericórdia de Deus exercida sobre os ninivitas, e por isso disse: “Ah! Senhor! Não foi esta minha palavra, estando ainda na minha terra? Por isso é que me preveni, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus compassivo e misericordioso, longânimo e grande em benignidade, e que te arrependes do mal. Peço-te, pois, ó Senhor, tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver.” (Jn 4:2,3).
Esse incômodo perdurou até os tempos de Jesus. Primeiro com os próprios discípulos do Mestre, que demonstraram insatisfação quando Jesus, não apenas não mandou fogo para consumir os incrédulos samaritanos, como os repreendeu por pensar que Deus poderia agir de tal forma (Lc 9.54-55). Mesmo seguindo a Jesus, os discípulos, talvez sem perceber, reproduziram uma compreensão comum que as pessoas tinham sobre Deus. Contudo foram os fariseus que mais tiveram dificuldades de entender como o Deus Eterno poderia ser tão pródigo em sua graça e bondade. A religiosidade sempre é o principal obstáculo para aceitar a graça do Senhor. Tudo que foge aos padrões, que extrapola os limites e que alcança os diferentes, desmonta a estrutura rígida da religião, e confunde aqueles que se sentem imbuídos de zelar pelo seu bom funcionamento. 
Porém ainda hoje a graça de Deus é “pedra no sapato” dos legalistas e fundamentalistas religiosos. Para esses, é inconcebível que a Graça não esteja acompanhada da ira de um Deus furioso, interessado em exercer justiça sobre os irreconciliáveis pecadores. A frase “Deus é amor, mas também é justiça” esconde a imensa dificuldade de compreender tanto a graça, como a forma como Deus exerce a sua justiça. Mas de onde vem essa dificuldade?
Além do legalismo e fundamentalismo que limitam a compreensão da Graça de Deus, existem outros elementos que também dificultam tal compreensão e aqui destaco dois:
- A falta de exame próprio: O apóstolo Paulo nos instruiu: “examine, pois, cada um a si mesmo...” (1 Co 11.28), e Jesus nos alertou do risco de nos incomodar com o “cisco no olho do irmão”, mas não tratarmos da “trave em nosso próprio olho”. (Mt 7.3-5). A religiosidade inverte essa lógica. Ao invés de auto examinarmos, nos tornamos implacáveis patrulheiro da fé, conduta e erros alheio. Mas cito aqui uma das brilhantes frases, atribuídas ao C.S Lewis: "Se o maior pecador que você conhece não é você, você precisa se conhecer." É isso, quanto menos nos conhecemos, mais dificuldade teremos para compreender e, consequentemente, de aceitar a Graça do Senhor.
- A falsa sensação de segurança da religião: As práticas religiosas têm um poder ludibriante. Nos causa a falsa sensação de auto justificação. Se faço, se dou, se cumpro, se sou diligente, sou merecedor, sou digno. Esse é o princípio da meritocracia, que é transferido para a relação com Deus. Mas no Evangelho de Jesus a lógica é diametralmente oposta. Não somos, e nem conseguiremos ser justos, fomos justificados. Paulo diz o seguinte: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie...” (Ef. 2.8-9).
A cena posta nesse capítulo é exatamente essa. Jesus está ensinando no templo e os fariseus, exercendo o que é comum aos legalistas, trazendo a julgamento uma mulher acusada de adultério. Nesse episódio, 4 ações denunciam o legalismo do fundamentalismo religioso:
1. Patrulha e Vigia o comportamento alheio.
2. Expõe, humilha e oprime aos outros.
3. Justifica a perversidade e maldade com a desculpa de zelo pela Lei de Deus.
4. São incapazes de ver os seus próprios erros.
Mas encontram se com Jesus. Há um sutil comentário que o Evangelista coloca no texto: “Eles estavam usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo...” (v. 6). Ou seja, eles não queriam atingir apenas a mulher, mas ao Senhor também. A presença e as palavras libertadoras de Jesus são extremamente constrangedoras e incômodas para qualquer um que não consegue compreender como o amor e as misericórdias de Deus se manifestam.
Mas a forma como Jesus reage a tudo isso nos ensina lições profundas do poder da Graça de Deus que alcançam, até mesmo, os intolerantes e raivosos, que se escondem por detrás da religião para perpetuar sistemas de opressão, violência e ódio. Olhando para Jesus aprendemos que, em Jesus de Nazaré, Deus nos oferece perdão e Graça.
1. Porque o Senhor não expõe, não humilha e tão pouco oprime – Jesus poderia expor a todos os que estavam ali. Poderia humilha-los, apontando para as suas fraquezas, dificuldades e incoerências, mas o Mestre preferiu reafirmar o seu convite: "Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (Mt. 11.28-30). Não compreenderemos a Graça de Deus se não abrirmos mão do “jugo” da religião para aceitarmos o “jugo” de Deus. 

2. O Senhor convida para a difícil, mas necessária tarefa do autoexame: “Quem não tiver pecado, atire pedra nela...” Simples palavras, mas de profundo impacto! Se cada um de nós assumirmos o compromisso de corrigir as nossas próprias falhas, além de não sobrar tempo para vigiar o próximo, compreenderíamos melhor a misericórdia de Deus.

3. O Mestre de Nazaré nos mostra a face do Senhor que não condena, mas acolhe: Há uma história interessante da vida do Rei Davi. Depois de cometer um grave pecado e ser confrontado com as possíveis consequências, a escolha do rei nos ensina sobre o nosso Deus: “... Prefiro cair nas mãos do Senhor, pois é grande a sua misericórdia, e não nas mãos dos homens". (I Cr. 21.13). Jesus manifesta essa Graça de Deus de modo abundante. Em Jesus, qualquer pecador tem a possibilidade de receber acolhimento e segundas chances.

4. Jesus convida para “A Nova Vida”: Essa é a proposta do Evangelho, novidade de Vida. O que todos os pecadores precisam é de novas oportunidades para reescreverem as suas histórias. Outro detalhe importante na forma como Jesus trata a mulher, e que antes de dizer: “...vá e não peques mais...”  o Senhor declarou: “Nem eu te condeno...”. As palavras libertadoras e manifestam a Graça de Deus, que não oculta os erros, mas redime os pecadores, os liberta da opressão do pecado e dá novas condições para experimentarem vida.  

Jesus de Nazaré é o Cristo que nos oferece perdão. Essa é a “Boa Nova” do Evangelho. Em Jesus todos os pecadores alcançam perdão. Em Jesus, toda a opressão do pecado e da religião caem por terra, para dá lugar a vida abundante que Deus nos oferece, graciosamente. 

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